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A Ressurreição de Paul Di'Anno em SP

Depois de muita tensão com o estado de saúde de Paul Di'Anno, a tour The Beast Resurrection chegou a São Paulo no sábado, 4 de fevereiro, com a promessa de ser o melhor show de toda a perna latinoamericana. E, fanatismo a parte, foi.

 

Oito anos sem pisar na terra da garoa, Di'Anno se mostrou muito satisfeito de estar aqui, embora visivelmente abatido pelas dores e incômodo causado pelo problema na perna. Mas, o importante era que "The Beast is Back", como ele mesmo mencionou em seu perfil do Instagram quando chegou a São Paulo. Aliás, o Carioca Club foi a casa onde Di'Anno fez seu último show em 2015, antes da necessidade de estar em cadeira de rodas, acredito que por isso pareceu ser uma boa ideia repetir o local. Não foi.

 

Por algum motivo a casa ainda não tem acessibilidade suficiente para cadeirantes. E, segundo a lei federal 13.146 de 6 de julho de 2015, artigo 44, além de rampas de acesso, locais demarcados devem ser facilmente encontrados. Essa lei pertence ao Estatuto da Pessoa com Deficiência (pcd) e deve ser cumprida em todo território nacional. Ela também menciona que o pcd deve ter acesso a TODOS os ambientes da casa. Agora, isso não deveria incluir o palco? 

 

Segundo a produção do show e uma família que auxilia Di'Anno e Stjepan Juras (empresário, cuidador, amigo, escritor da maioria dos livros do Iron Maiden lançados pela Editora Estética Torta) aqui no Brasil, os Lamonsov (principalmente Vinícius e seu tio Edson) Paul precisou ser carregado por quase todas as dependências da casa. Isso além de doloroso, é indigno. E ninguém merece passar por uma situação dessas acrescida da dor que já vivencia.

 

Embora a tour seja um presente para os fãs da América Latina, o próprio Juras já declarou que ela serve para levantar fundos para os próximos tratamentos de Di'Anno. Mas algo que me entristece muito é que, embora essa tour seja por causa dele, com ele como artista principal, ela não foi pensada pra ele. Por exemplo o ônibus de viagem é lindo, envelopado com fotos de todos: Di'Anno, Noturnall e Electric Gypsy, mas não é acessível para um pcd. Paul precisou ser carregado para entrar. As casas, o mesmo. Isso precisaria ser revisto.

 

No público do Carioca havia apenas um cadeirante, que inclusive segundo um de seus acompanhantes, "foi muito desconfortável entrar com ele na casa, por conta de degraus um pouco altos". Ele ficou na pista, próximo ao palco, assim como todos. E, o único momento em que esse garoto enxergou alguma coisa foi quando sua cadeira foi erguida pelos fãs, mostrando que todos fizeram seu máximo para estar presentes nesse acontecimento. Di'Anno se emocionou muito com isso, assim como Bruce Dickinson em Belo Horizonte 2016. Dois momentos marcantes e históricos!

 

Agora, depois dessa denúncia e meu profundo desapontamento com a inacessibilidade das casas e transporte, vou desligar meu modo jornalista e ligar meu modo humano novamente. Sou fã, não posso negar. Fã desde os meus 3 anos, graças a um primo mais velho, o Renato, que me mostrou o cassete do Killers ainda em 1989. Como sempre fui amante de caveirinhas, essa capa foi um prato cheio pra essa criança estranha. Como o cassete estava começado, a primeira música da Donzela que eu ouvi foi Drifter. Depois disso, a formiguinha do East End já tinha me mordido. 

 

Quando cheguei ao local que eu ficaria, pensei em tudo o que tinha acontecido pra eu estar ali. E não só universidade, cursos… nada disso. Pensei na vivência. Pensei no que os discos me ensinaram, quando todas as informações que a gente tinha vinha de revistas que não faziam a menor ideia do que estavam publicando, não por falta de caráter, mas porque alguém que soubesse falar inglês de uma forma não precária era muito raro de se encontrar. Graças a isso, achávamos que Steve Harris era ariano, ou que todos eles eram amigos e tomavam cerveja e assistiam ao futebol nas casas uns dos outros… Às vezes fico imaginando se essa ingenuidade de certa forma não era melhor, enfim. Não tem como mudar. 

 

Mas devaneios a parte, os portões abriram com atraso de quase 2 horas. Marcado inicialmente para às 18h, a abertura e entrada do público aconteceu de fato perto das 20h, de um dia tipicamente paulistano, que não decidia se chovia, ou se continuava ensolarado. Di'Anno chegou ao Carioca por volta das 19h. Jurei que o atraso da abertura seria para que ele pudesse atender com calma ao público que garantiu seu Meet & Greet por módicos R$900,00. Engano meu. Aliás, isso deu um problema complicado e, com certeza vai gerar um stress a mais para a produção. Eu já conto.

 

Logo de cara, a mesa de merchandising ficou lotada. Encontrava-se de tudo: camisetas, bonés, os tradicionais copos da tour, baquetas, palhetas, pôsteres, pack com cervejas e, de forma inédita: livros. Sim, livros do Stjepan, já que ele é o empresário e a Estética Torta a produtora e patrocinadora principal, nada mais justo que toda a coleção lançada por ela estar a disposição de todos.

 

Os shows de abertura foram encurtados, deixando cada um com 30 a 40 minutos cada. Os mineirinhos do Electric Gypsy fizeram uma festa acontecer. Tocaram música autoral, tributo, de tudo. Começaram com More Than Meets The Eye, que não me tirou da cabeça como lembra Doctor Feelgood do Motley Crue, mas não de uma forma ruim. Não é uma cópia, mas uma influência. Tocaram Hot For Teacher, clássico supremo do Van Halen, do disco 1984, que me fez pensar "que audaciosos", porque a gente sabe que não é todo mundo que executa qualquer coisa do Van Halen. Isso me fez prestar um pouco mais de atenção. Tocaram Bad Boys do Whitesnake, até chegar em Shoot 'em Down, que está na minha cabeça desde então. Esse refrão bom, dançante e mais grudento que chiclete em tênis velho, está plantado na minha cabeça junto com Where Not Gonna Take It e o começo de I Love It Loud! Obrigada, garotos.

 

Os meninos se despediram com alegria, mesmo sabendo que a missão deles não era simples. Abrir um show em que o público não é da mesma praia que a sua é muito difícil. Os meninos fazem  hard rock bem made in Sunset Strip, mas nada fantasiado. O peso, na verdade é bem atual. Mas que eu consigo enxergar essa banda julgando concurso de garota molhada no Gazzarri's, eu consigo. A plateia respeitou e até se animou em alguns pontos, mas a ansiedade pra assistir ao Di'Anno era muito grande.

 

Então entram os veteranos do Noturnall, que sofreram com problemas técnicos e deixam o vocal Thiago Bianchi e a guitarra de Leo Mancini mudos. Ao perceberem isso, depois de diversos avisos da plateia, as cortinas fecharam. Mais uns 5 minutos e eles retornam, com muito mais poder e fúria. Um metal progressivo com uma cozinha bem marcada. Fui surpreendida com a delicadeza e harmonia da regravação de O Tempo Não Pára, projeto em parceria com o mestre Ney Matogrosso. Bianchi protesta contra as dificuldades que uma banda brasileira enfrenta na estrada e na recepção das casas dentro do próprio país. Que, independente de lado, o governo deveria se preocupar com o público e com o acesso dele à própria cultura. Esse discurso pertinente emenda com a poderosa Fight the System!. Também tocam um cover para encantar o público, Thunderstruck, um hino inquestionável do AC/DC dos anos 90, do The Razor's Edge.

 

As cortinas se fecham logo após a foto com o público. Thiago Bianchi volta ao palco, dessa vez como tradutor de Stjepan Juras. Nessa hora descobrimos que essa tour vai virar um documentário sobre tudo o que Paul está superando pra fazer o que está fazendo. Também soubemos que Di'Anno estava feliz por estar aqui, mas puto de ficar tão pouco tempo em SP. Percebemos que isso não era pra agradar nossos ouvidos, já que nesse day off, entre BH e Floripa, Paul voltou pra São Paulo.

 

Às 22:51, todas as luzes se apagam e Ides of March começa. Um alívio para todos que estavam querendo matar o dj da casa, que embalava a todos com Wonderwall, do Oasis e Reason, do Hoobastank. Quando o solo de Ides acaba e a música caminha pro seu fim, o palco se ilumina e Mr Paul Di'Anno no centro, com sua perna esticada e apoiada num banquinho com almofada, e o microfone na mão. Sua maior arma. Wrathchild começa. Esqueçam os galopes de Steve Harris, é outro muisco tocando, outra técnica, mas também competente. A voz entra, tom diferente do original, um drive que beira o gutural. Técnica zero. O Iron Maiden visceral estava de volta. Aquele do "período jurássico", aquele que começou com tudo. Aquele que pavimentou a estrada que a Donzela passeia lindamente hoje em dia. Welcome, Beast! Sanctuary veio na sequência e as minhas pernas adormeceram. Eu estava gravando stories pra rádio nesse momento, e quando olhei pra câmera, estava filmando a parede da casa. A emoção de quem se encontra com sua história é algo inimaginável e impronunciável.

 

Paul cumprimenta a todos e diz como está feliz de estar em São Paulo, e o quanto ele amava este lugar por se sentir em casa. Disse também que faria o seu melhor e que mandaria essa alergia na voz se ferrar (óbvio que não tão educado assim). Toma um gole de sua água de coco, como ele fez questão de mencionar e emenda Purgatory e Drifter. Já na parte superior da casa, quase caindo do balcão, estou chorando copiosamente presenciando a minha história. Como eu gostaria que o Renato, meu primo estivesse vendo isso. Como eu queria que ele visse o que aconteceu. Ali foi o começo de tudo pra mim. O palco ficou embaçado pra mim. O público ensandecido. E olha que eram mais velhos. Poucos jovenzitos e todos acompanhados de um pai, um tio, uma mãe que estavam trajados no bom e velho estilo banger dos anos 80. Foi um ritual de libertação e comemoração do legado inquestionável de Paul Di'Anno.

 

Murders in the Rue Morgue. A primeira roda se abre e o público desaba de vez. Nessa hora, Paul estava contrariado de não estar se divertindo da mesma forma que todos estavam. Ele se mexia, balançava a cabeça, erguia os braços, mas todas as vezes em que seu fisioterapeuta entrava em cena, o gigante desmontava e voltava a perceber que não era mais o mesmo. Isso o irritou diversas vezes. E todas essas vezes sua voz voltava mais feroz. Remember Tomorrow começa. Amo Bruce Dickinson, mas sua voz por mais perfeita que seja, nunca terá o sentimento e a fúria desse homem. É de chorar. Aqui você enxerga ele debilitado, mas aqueles olhos azuis imensos são os mesmos do choque em Bremen em 80, ou do Rainbow em 81. E isso é histórico.

 

Pausa para a voz com Genghis Khan e nesse momento, uma água de coco e um cigarro. Paul é um homem de hábitos. Ele não iria mudar aos 64 anos, né?! Parabenizo a banda porque essa música é um verdadeiro abacaxi a se descascar. Complexa e maravilhosa. Uma instrumental que o brasileiro canta.

 

Primeiros acordes da matadora Killers e, embora o trocadilho tenha sido bem porcaria, a execução dela foi perfeita. Óbvio que fãs puristas (me incluo) sempre encontrarão um porém, mas não é o Iron Maiden tocando, então sempre haverá alguma diferença. Paul com a voz bem machucada, bem mais rouco que de início, reclamou do calor "MUITO QUENTE" enquanto o solo gritava. Charlotte the Harlot faz Paul soltar um "EPA!" graças ao guitarrista que se perdeu na introdução. Pelo jeito todos estão mais tranquilos e se permitindo rir de algumas situações. Uma nova pausa com Transylvania e outro cigarro com água de coco, e outra instrumental cantadíssima pelo público, além de uma roda de "bate cabeça" gigantesca aberta, com direito a banho de cerveja e tudo mais! 

 

Paul fala o quanto está feliz de ver todos se divertindo e que gostaria de voltar pra cá quando estiver melhor e sem a cadeira. E solta um "fucking Palmeiras", contando que em Londres ele torce pelo West Ham, mas que aqui no Brasil ele é Corinthians e emenda um "VAI CORINTHIANS!".

 

Phantom of the Opera é tenebrosa. Ela deve ser. Paul executa com um pouco de dificuldade, mas o público assume os vocais e toda a música é cantada pelos fãs. Running Free executada da mesma forma. 

 

O bis começa com Prowler, que mostra um Di'Anno já quase sem voz e mandando bastante a música pra platéia, que respondia orgulhosamente feliz. E Iron Maiden quase botou o prédio a baixo! Durante essa música, o fisioterapeuta puxa a cadeira de Paul para o canto do palco, para que a cortina pudesse ser fechada depois do show. 

 

Foi um espetáculo apoteótico. Teve doação, teve amor, teve felicidade, quase um transe! A plateia demora a dispersar, pois sempre se acredita que o ídolo vai aparecer novamente, mas Di'Anno estava cansado ao extremo.

 

Quando eu mencionei no começo do texto que a produção teria maior stress com o Meet & Greet, foi porque, devido ao cansaço do Paul e à falta de organização do evento, os pagantes do Meet unitário não conseguiram aproveitar o que o pacote oferecia. De 200 pagantes, apenas 20% tiveram foto, autógrafos, um pequeno papo e um kit com merchandising. O encontro aconteceu num camarim minúsculo, durante o show de abertura. E os outros 80%? Foto em grupos! Como não foi o oferecido no pacote comprado, a dor de cabeça vem. Vamos ver as cenas dos próximos capítulos.

 

Mesmo com todas as tensões e complicações, foi um show histórico, que vale a pena acompanhar. A tour é imensa e com certeza vai passar pela sua cidade ou pertinho de você. E aqui na Veros Music você tem todas as datas e como adquirir o seu ingresso. 

 

Hail Paul Di'Anno!

Up the Irons!

 

Local: Carioca Club - Rua Cardeal Arcoverde, 2899 - Pinheiros - São Paulo - SP.

 

Texto por: Amanda Basso

Fotos de: Roberto Santanna